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Para refletir...




Que as crianças sejam privadas da sobremesa, sempre que não comem a sopa, já de si não é bom. Mas que fiquem sem o futebol, porque tiveram maus resultados na escola, ou que lhes seja retirado o recreio porque estavam de cabeça no ar, na sala de aula, corre o risco de não ser nem prudente nem eficaz. Porque as atividades desportivas são indispensáveis para o desenvolvimento humano, para aprender e para pensar. E porque o recreio é mais amigo da aprendizagem do que, por vezes, pode parecer.

Eu sei, acreditem, que as regras são preciosas e indispensáveis. E sei, ainda, que a tarefa de conciliar o ensino e "a lei da escola", em relação a todos os meninos de uma turma, é dura e exigente para um professor. E - desculpem o aparte - também a mim me incomoda o populismo com que se dá a entender que a boa educação são resquícios do antigo regime com que se trunca e se limita a liberdade individual. Mas por mais que nunca seja supérfluo que as crianças sejam bem-educadas e que cumpram as tarefas que, em consciência, entendemos que mais as protegem e que melhor as educam, não é razoável que ainda se castigue as crianças desta forma.

Porquê? Porque elas deviam ser poupadas aos castigos? Não, claro. Assim eles sejam reservados para as asneiras que, pela sua gravidade, mais os justifiquem. E, já agora, desde que não se assuma num furor imparável que faça com que elas estejam sempre de castigo (a ponto de reagirem com indiferença a mais um e a mais outro que, entretanto, possam surgir). Mas, então, ser contra os castigos do género "se não te portas bem, não vais ao futebol" ou as "máximas" como "o recreio só é para quem está de cabeça no lugar" justifica-se porque práticas como essas fragilizam ou traumatizam as crianças? Não, pelo contrário. Até porque se lhes permitirmos tudo e mais alguma coisa, sem limites e sem regras, isso magoa-as muito mais e faz-lhes, seguramente, pior. Chegados aqui, que fique claro que, dentro do que é sensato para todos nós, as regras fazem bem às crianças. Mas, agora, que (felizmente!) já são raras as crianças que vão de castigo para a biblioteca (que, parece-me a mim, não seria nem o melhor incentivo ao plano nacional de leitura nem uma forma lisonjeadora de lhes dar a entender que os livros não são um castigo), que sentido tem tirarmos o recreio a uma criança, a ponto de, algumas delas, passarem muitos recreios fechadas na sala de aula? Dá-lhes isso mais recursos para recolocarem "a cabeça no sítio", na aula seguinte? Trará a privação do recreio uma "alma renovada" quando se trata de colocarem mais atenção, mais empenho e mais motivação na forma como escutam, como imaginam e como pensam? Sossega-lhes o "bicho carpinteiro" e torna-as sempre sossegadinhas e caladas (por mais que as crianças não devessem estar sempre assim, em todas as aulas)?

O recreio não é a sobremesa que está à espera de todas as crianças que trabalham. Não é uma recompensa. E não é um adereço que fica bem num plano educativo. O recreio é um "suplemento alimentar" precioso. Serve para conversar, para conviver e para brincar. Permite crescer e ajuda a pensar. Faz com que as crianças passem do conhecimento à palavra e da aprendizagem à ação. E liga "alma", corpo e cabeça como nada mais. Ora, se já será um atentado à sensatez humana e à sabedoria pedagógica que haja recreios de 5 e de 10 minutos a intercalar aulas expositivos de 90 minutos; se a própria OCDE chama a atenção para o facto de os alunos portugueses estarem sobrecarregados de horas de escola e de aulas e reprovarem demais (seria exorbitante esperar que se estabelecesse uma relação entre estes três aspetos?); se o próprio responsável da OCDE para a educação afirma que “Os resultados do PISA mostraram que os estudantes portugueses se tornaram bons na reprodução dos conteúdos, mas ficam ainda aquém quando se trata de extrapolar aquilo que sabem de modo a aplicar os seus conhecimentos em novos contextos.", aspeto para o qual outro formato de aulas, mais "escola de vida" e mais recreio contribuem, de forma decisiva; porque será que continuamos a castigar as crianças impedindo-as de ir ao recreio?


  • Será razoável que se presuma, a partir daqui, que as crianças podem fazer nas aulas o que elas muito bem entendam? Não.
  • Será razoável que se conclua que um professor não pode ralhar, repreender ou castigar? Muito menos.
  • Será razoável que entre intervir n'O Momento ou fazer de uma criança "carteiro de queixinhas", com recados e mais recados na caderneta do aluno, é preferível que ele intervenha "em tempo real", sempre que uma criança precisa que ele o faça? Sim!
  • Será razoável que, no caso de um aluno ser, continuadamente, desafiador, pais e professor definam as "coimas" que entendam ser recomendáveis, e que o façam de forma "musculada"? Claramente.
  • E é compreensível que, na ânsia de interpelar um aluno, um professor lhe tire o recreio uma (!) vez, na esperança de que, com isso, ele se "compenetre"? É.


Mas que o recreio seja uma "moeda de troca" para que uma criança esteja atenta e participativa não é sensato. E não reconhecer a importância que o recreio tem para que se aprenda melhor é, muito pior que tudo, um belo exemplo de como a escola - que não se cansa de falar de défices de atenção - não é tão atenta, tão aberta e tão sábia como devia ser.




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